Relação entre dor crônica e sono: o impacto das alterações neuroquímicas

A dor crônica é uma condição que afeta diversos aspectos da vida de quem a sofre, e um dos mais impactados é o sono. Mas qual é a relação entre essas duas condições? Por que a dor crônica interfere no sono de maneira tão significativa? A resposta está, em parte, nas alterações neuroquímicas e neuroendócrinas que ocorrem no corpo do paciente com dor crônica, que são diferentes das observadas em pessoas com insônia comum.
O Papel dos Neurotransmissores e Hormônios
Quando uma pessoa sofre de dor crônica, uma série de alterações bioquímicas acontecem no corpo, que tornam o sono ainda mais difícil. Um desses fatores está relacionado ao aumento da noradrenalina e da adenosina, substâncias que desempenham papéis cruciais na regulação do estado de alerta e do cansaço.
Quando estamos em um estado de alerta, nosso cérebro utiliza ATP (adenosina trifosfato) como fonte de energia. Ao longo do tempo, essa energia vai sendo gasta e, como resíduo desse processo, a adenosina se acumula. Esse acúmulo de adenosina vai gerando uma sensação de cansaço e sono, que nos indica que nosso corpo precisa descansar e se recuperar para o próximo dia. No entanto, no caso de pacientes com dor crônica, essa série de alterações bioquímicas não ocorre de maneira eficiente, o que impacta diretamente na qualidade do sono.
A Cafeína e o Disfarce do Cansaço
Um aspecto interessante a se considerar é como a cafeína interfere nesse processo. A cafeína tem uma fórmula química semelhante à da adenosina, o que lhe permite se ligar aos mesmos receptores que normalmente reconheceriam o acúmulo de adenosina. Isso faz com que a cafeína “disfarce” a sensação de cansaço e nos mantenha mais alertas. Esse efeito, no entanto, não dura por muito tempo, e os efeitos podem variar de pessoa para pessoa. Algumas pessoas, por exemplo, podem não sentir nenhum efeito com o consumo de cafeína devido a variações genéticas, o que pode afetar ainda mais o impacto que a dor crônica tem sobre o sono.
A Interação entre Cortisol, Noradrenalina e Sono
Outro fator que contribui para as dificuldades de sono em pacientes com dor crônica é o aumento do cortisol. Esse hormônio, produzido pelas glândulas suprarrenais, está diretamente relacionado ao estresse e à resposta do corpo ao alerta. Quando os níveis de cortisol aumentam, como acontece em casos de dor crônica, a pessoa sente uma sensação de alerta constante, o que torna difícil relaxar o corpo e a mente.
Esse aumento da adrenalina e da noradrenalina causa um aumento na frequência cardíaca e diminui a capacidade de relaxamento muscular, dificultando ainda mais a transição para o sono. Além disso, a resposta do corpo aos opióides, que normalmente ajudariam a aliviar a dor, é diminuída, o que torna a percepção da dor ainda mais intensa.
Alterações no Sono Podem Agravar a Dor Crônica
Porém, a relação entre sono e dor crônica é bidirecional. Ou seja, as alterações no sono causadas pela dor crônica podem, por sua vez, agravar ainda mais a percepção da dor. O impacto do sono inadequado no corpo pode levar a outras alterações neuroquímicas, criando um ciclo vicioso em que tanto o sono quanto a dor são intensificados mutuamente.
Conclusão
A dor crônica e as dificuldades de sono estão intimamente relacionadas, principalmente devido a alterações neuroquímicas e neuroendócrinas no corpo. Aumentos de substâncias como noradrenalina e cortisol, combinados com a diminuição da resposta aos analgésicos naturais do corpo, criam um ambiente no qual o sono se torna ainda mais difícil. Esse ciclo de alterações impacta diretamente na qualidade de vida do paciente, exigindo abordagens terapêuticas eficazes para quebrar esse ciclo vicioso.
Este texto foi baseado no bate-papo entre o Dr. João Rizzo e a Dra. Lorena Caleffi sobre “Alterações do sono em pacientes com dor crônica”, disponível na íntegra no canal do YouTube do Projeto Educa Dor.