Cuidados da cabeça aos pés ou dos pés à cabeça?
Os pés são as regiões mais distantes da nossa cabeça e do nosso cérebro, mas isso não afeta a sua importância para a nossa vida. Eles são as nossas antigas patas posteriores, sob olhar do darwinismo. Ao longo da evolução das espécies, de primatas a hominídeos, e desses a Homo Sapiens, fomos desafiados à manutenção do equilíbrio sobre essas duas peças anatômicas distais quando viramos bípedes. Esse par de mãos modificadas anatomicamente são para a nossa espécie a base de sustentação para a postura bípede e para a locomoção.
Confira também: E como ficou a cervical com o novo normal?
Na postura bípede, a circulação sanguínea, especialmente o retorno venoso, recebeu um grande desafio antigravitário, o que exige que músculos atuem como bombas sanguíneas, conferindo ao exercício físico e ao próprio andar uma missão adicional: garantir aos pés o bom equilíbrio metabólico. Ao longo da história da humanidade, muitos tipos de calçados ou vestes para os pés ocuparam diferentes momentos da história: do salto Luis XV às rasteiras e chinelos de dedos, o apelo à moda e à estética contrastando muitas vezes com o conforto necessário para essa região, o que é fundamental para garantir a funcionalidade e a harmonia da caminhada ou da corrida.
Compostos por 26 ossos bem arranjados e suportados por ligamentos e fáscias, bem como muitos músculos chamados intrínsecos (que se localizam no próprio pé) e extrínsecos (que se localizam na perna), os pés possuem arcos, ou curvaturas, que conferem complacência e flexibilidade, para atuarem como molas amortecedoras e propulsoras da postura de pé e do andar. Tais funções, tão nobres para a sobrevivência, muitas vezes são afetadas por lesões, doenças, envelhecimento e dor. Ademais, a planta dos pés, a exemplo da palma das mãos, possui muitos receptores sensitivos especializados, que auxiliam o cérebro a perceber a distribuição de pressão em cada uma e com isso contribuem na percepção e no controle do equilíbrio, entre outras funções.
Os pés são de fato muito especializados em termos sensoriais. Assim, a dor nos pés pode virar um problema significativo. Advinda de uma “simples” bolha ou calosidade criada pelo uso de um calçado inadequado, unhas encravadas, problemas de pele, até problemas mais críticos como lesões por entorses, fraturas, esporão de calcâneo, fasciite plantar ou Neuroma de Morton, a dor nos pés pode ser incapacitante e provocar desequilíbrios biomecânicos que ascendem para outras articulações e regiões do corpo.
Por essas e tantas outras razões, o cuidado com os pés tem sido uma tônica cultural em países como a Tailândia, onde a massagem nos pés realizada por especialistas é muito concorrida, podendo ser realizada em intervalos de trabalho ou mesmo no final do dia de uma jornada intensa. A reflexologia, o escalda pés com ervas aromáticas, os inúmeros dispositivos de massagem, rolos, pedras e tantas outras linhas de abordagem terapêutica buscam ofertar às pessoas relaxamento, melhora da circulação sanguínea e analgesia da região dos pés, entre outros objetivos. Além disso, a fisioterapia vem desenvolvendo mais estratégias terapêuticas com recursos eletrofísicos e exercícios para o manejo da dor e reabilitação de problemas nos pés.
Ao encontro da evolução científica na área da biomecânica, a avaliação baropodométrica (baro = pressão; podo = pés; métrica = medida) busca obter dados estáticos e dinâmicos sobre a distribuição de pressão dos pés do indivíduo durante diferentes situações de vida. Com o sujeito parado, caminhando ou correndo sobre superfícies instrumentalizadas com sensores de força ou pressão, sinais são obtidos e processados em softwares específicos. Assim, dados objetivos podem fomentar profissionais da área da saúde a prescrever palmilhas ditas proprioceptivas ou mesmo o melhor tipo de calçado recomendado para cada sujeito em diferentes situações, sejam casuais, formais, ou prática de atividade física. Tal serviço vem se popularizando no mundo inteiro, para conferir mais precisão no acompanhamento do equilíbrio biomecânico das pessoas durante a locomoção ou a prática de atividades físicas e esportes.
Com base nesses dados, a prescrição de exercícios de alongamento e flexibilidade, força e potência muscular, equilíbrio e propriocepção, unem-se às terapias analgésicas e ao uso de calçados adequados para auxiliar na recuperação da saúde dos pés. Assim, o olhar terapêutico aos pés pode auxiliar muito a saúde geral das pessoas. E nessa história de dor e de saúde, cabeça e pés são muito importantes, embora distantes anatomicamente.
Texto por: Dra. Flávia Gomes Martinez – CREFITO 9304-F – CREF 2486-G/RS
Créditos da imagem: Envato