A Medicina da Dor – Aspectos Históricos

7 de outubro de 2020
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A medicina da dor é a área da medicina dedicada ao alívio da dor e à melhora da qualidade de vida dos pacientes que sofrem com dor, particularmente com a dor crônica.  Embora a dor seja uma condição que todos os seres vivos experimentam em algum momento, a medicina da dor apresenta-se como uma área médica recente. Possivelmente a referência mais antiga ao alívio da dor seja aquela encontrada na Bíblia, no Genesis, quando Deus manteve Adão em sono profundo, para poder remover a costela que utilizaria como matriz para criar sua companheira Eva.

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As culturas antigas tinham bastante conhecimento das propriedades analgésicas das plantas. Registros egípcios em papiros do século 3000 A.C. descreveram o uso do suco da papoula (ópio) no tratamento da dor. As culturas chinesas e outras culturas orientais identificaram os pontos de dor distribuídos pelo corpo todo e acabaram desenvolvendo a terapia de acupuntura. Os primeiros filósofos gregos, como Platão, reconheceram que o cérebro era o local de percepção da dor e mostraram sua ligação com o sistema nervoso periférico. Em 1170, no primeiro livro de cirurgia ocidental, havia descrições de esponjas embebidas em ópio e seguradas próximo ao nariz do paciente para aliviar a dor cirúrgica. A morfina foi isolada em 1806, a agulha e seringa para injeções hipodérmicas começaram a ser utilizadas em 1839 e, em 1846, o éter foi usado pela primeira vez como anestésico durante cirurgias. A cocaína, isolada das folhas de coca na América do Sul, foi identificada como um anestésico local em 1860 e logo depois foi utilizada em bloqueios nervosos. Durante a guerra civil americana, a primeira em que balas de alta velocidade foram usadas, os médicos notaram que lesões nervosas causavam dores fora de proporção com a lesão em si. Causalgia, da palavra grega que significa “ardência”, foi descrito por Weir-Mitchell em 1864. A cocaína e subsequentemente o álcool absoluto, utilizando as novas agulhas hipodérmicas, foram injetados nos nervos para proporcionar o alívio da dor em pacientes submetidos a cirurgias, pacientes com lesões e pacientes com câncer. Novocaína (procaína), que não teve os efeitos colaterais da cocaína (como dependência), foi desenvolvida em 1904.

A Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918) e a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945) proveram ampla oportunidade para usar este novo conhecimento para tratar a dor produzida pelo trauma, congelamento, e dor fantasma, assim como a dor das síndromes simpáticas como causalgias, justamente na época em que anestésicos locais mais seguros estavam sendo desenvolvidos para substituir a cocaína. 

Foi durante a Segunda Guerra Mundial que um cirurgião do exército chamado John Bonica começou uma abordagem multidisciplinar ao controle da dor entre veteranos com dor crônica, o que chamou atenção para o subtratamento da dor em geral e a dor crônica em especial. Sua abordagem intelectual e esforços médicos organizados, assim como a publicação em 1953 do seu primeiro livro, um tratado sobre o controle da dor, com título “The Management of Pain” (O Controle da Dor), conduziu-o ao seu papel universalmente reconhecido como o fundador do controle da dor moderna. John Bonica trabalhou na Universidade de Washington em Seattle após a Segunda Guerra Mundial e seus esforços inspiraram a fundação da American Pain Society (Sociedade Americana de Dor), e da International Association for the Study of Pain (Associação Internacional para o Estudo da Dor).

John Bonica management of pain
John Bonica – The Management of Pain

Segundo Andrea Trescot, professora da Universidade de Washington, “No fim dos anos 1980 ficou claro que a dor poderia ser tratada não somente por medicações orais, mas também pela injeção de medicações específicas em estruturas específicas”.

Foi a partir desse conceito que Steven D. Waldman, em 1990, cunhou o termo “medicina intervencionista da dor” para distinguir o controle da dor por medicamentos nas terapias de injeções. O primeiro livro didático sobre medicina intervencionista da dor, “Interventional Pain Management,” por Steven D. Waldman e Alon Winnie, foi publicado em 1995. Waldman também fundou a “Society for Pain Practice Management” (Sociedade para o Controle da Dor), que serviu como fórum educacional e clínico na orientação de jovens intervencionistas da dor nos desafios gerenciais e clínicos nos seus consultórios de medicina da dor.

Tendo em conta a elevada prevalência da dor, são indiscutíveis os importantes reflexos que esta determina nos sistemas de saúde, além dos custos diretos e indiretos, na própria economia. Assim, além de representar uma intensa experiência psicobiológica, a dor constitui um sério problema de saúde pública.

“A dor é uma companhia constante para a humanidade”, disse Marcia Meldrum, pesquisadora associada do departamento de psiquiatria e ciências biocomportamentais da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Portanto, enquanto é verdadeiro que praticamente todo paciente que visita um médico tem queixa de dor, o treinamento e certificação nesta especialidade têm parcos 30 anos. “A dor crônica ainda é uma das condições mais difíceis de tratar”, disse Meldrum. “É extremamente difícil avaliar os efeitos de curto e longo prazo de qualquer tratamento específico que você usa. A dor é muito individual. A única maneira de saber se alguém está com dor é perguntando” . 

Outra razão pela qual a dor crônica é tão complexa de se abordar é que os pessimistas sobre a condição estão parcialmente corretos, observou Meldrum. A dor crônica, até certo ponto, está na sua cabeça, embora não no sentido pejorativo, mas no sentido da criação de uma “memória ou sensibilização neurológica”. Os sinais de dor viajam pelo sistema nervoso do corpo, mas também o fazem as informações emocionais e cognitivas. À medida que as pessoas desenvolvem condições de dor, elas ficam ansiosas e frequentemente melancólicas. Essas alterações emocionais reforçam a manutenção da dor.

Referências:

  1. Andrea Trescot – Intervencionista em dor, Anestesiologista e Professora da Universidade de Washington.In: O controle da dor. https://www.singular.med.br/ 2013.                                                                                                
  2. Marcia Meldrum, pesquisadora associada do departamento de psiquiatria e ciências biocomportamentais da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. The Ongoing Opioid Prescription Epidemic: Historical Perspective. American Journal of Public Health August 2016; 106 (8): 1365-1366. Marcia Meldrum et al.
  3. Roger Collier, A short History of pain Management CMAJ. 2018 Jan 8; 190(1): E26–E27.

 

Texto por: Dr. Luís Josino Brasil – CREMERS 19661

Créditos da Imagem: Freepik 

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