Doutor, por que ninguém acredita na minha dor?

12 de janeiro de 2022
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Se ela me deixou, a dor
É minha só, não é de mais ninguém
Aos outros eu devolvo a dó
Eu tenho a minha dor

(De mais ninguém – A. Antunes e M. Monte)

Falar de dor, via de regra, é falar de algum desconforto que sofremos no corpo, como é o caso dos ferimentos, processos infecciosos e/ou inflamatórios. A dor alerta o organismo para algo que não está bem, fazendo com que busquemos aliviar o incômodo que isso nos traz.

Para os dicionários de língua portuguesa, dor e sofrimento são sinônimos, mas, mesmo assim, é comum destinarmos a palavra “dor” para os males do corpo físico, e, para os psíquicos – ou da “alma” –, usarmos palavras como agonia, angústia, e, principalmente, “sofrimento”, entre outras.

Essas tentativas para diferenciar nossas dores físicas das psíquicas evidenciam que procuramos, realmente, sermos compreendidos uns pelos outros e buscamos fazer isso usando as mais diferentes formas de linguagem. Somos limitados, entretanto, pelo próprio discurso, pelas próprias restrições que as várias linguagens nos impõem quando tentamos falar do que sentimos ou quando procuramos entender, por exemplo, os sentimentos dos outros.

E aqui chegamos à pergunta que motivou o podcast ( #31 Projeto Educa Dor ) e, por conseguinte, este artigo: Doutor, por que ninguém acredita na minha dor?”

Penso que não haja uma única resposta para esta questão, e, muito menos, uma resposta certa. Cada caso é um caso e deve ser considerado como tal.

O que podemos fazer, talvez, é gerar novos focos de reflexão junto com o/a paciente, para que ele/a mesmo/a busque entender melhor sobre o que está querendo dizer quando se queixa de “ninguém” acreditar na sua dor.

Talvez seja interessante perguntar coisas do tipo:

  • Quem é este “ninguém” a quem ele/a se refere?
  • Quem não está dando crédito e que ele/a gostaria que desse?
  • Será que o/a paciente está supervalorizando ou desvalorizando a sua dor?
  • Como ele/a está se relacionando/lidando com o quadro de dor o que está acometendo?
  • Que expectativas ele/a tem sobre seu quadro doloroso?
  • Ele/a está se responsabilizando pelas questões implicadas no  tratamento?
  • Ele/a está transferindo ou tem tendências a transferir esta responsabilidade para seus cuidadores e/ou equipe médica?
  • Ele/a está buscando formas de se ajudar também psicologicamente?
  • Os familiares envolvidos no acompanhamento do/a paciente estão procurando realizar reuniões, encontros, grupos de apoio, ou, enfim, maneiras de conviver melhor com esses casos de dor crônica, por exemplo?

Essas são questões que podem ajudar o/a paciente a perceber que ele/a é o maior responsável (se for capaz disso, evidentemente) pelo seu tratamento e pela maneira de lidar com a sua dor.

A pessoa doente necessita se responsabilizar, se envolver com o seu próprio processo de sofrimento e se autorizar a lidar com ele da melhor maneira possível. Seria muito bom que o/a paciente aprendesse a ouvir a si próprio/a, e, principalmente, pudesse observar mais o como ele/a está transmitindo aquilo que deseja transmitir –  e/ou, até mesmo, buscasse saber de como vem dizendo de si mesmo/a no decorrer de toda a sua vida.

Por exemplo: um/a paciente pode ter histórico de já ser muito queixoso/a por qualquer processo doloroso, mesmo antes de estar em um quadro mais severo, então, quando sofre com algo mais grave, talvez não receba tanto crédito da parte de quem convive com ele/a há tempos.

Também pode acontecer que alguns familiares não suportem lidar com o sofrimento de alguém tão próximo a eles. Estar muito próximo do sofrimento alheio lembra da nossa finitude, da nossa impotência, então é fácil “fugirmos” do encargo de conviver com quem nos faz ter contato emocional com essas frustrações o tempo todo (e daí também a facilidade da própria família de transferir para o médico a responsabilidade de “resolver” o sofrimento do/a paciente).

Pode haver ainda uma espécie de negligência por parte de alguns familiares de não perguntarem sobre como está a dor do/a paciente para não “despertarem” as queixas dele/a. Em casos assim, há que se ficar atento e observar se o/a paciente não está preferindo, talvez, se calar para não aborrecer a família, ainda mais nos casos de dor crônica, que não ‘derruba’  o/a paciente imediatamente, mas fica ali, “como uma pedra no sapato, fazendo com que o/a paciente se acomode na própria dor”, como assinala o Dr. João Rizzo.

As observações acima não nos dão respostas, mas nos indicam que é urgente que busquemos promover uma psicoeducação, tanto para o/a paciente como para os familiares, já que todos sofrem em um quadro de dor, seja qual for a faceta na qual ele se apresente.

Mas, para não desesperar – e seguindo a proposta do Projeto Educa Dor –, sugiro algumas ferramentas que podem aliviar também o sofrimento que está para além do corpo físico do/a paciente, tais como:

  • Terapia/análise individual;
  • Terapias de grupo;
  • Arteterapia individual e/ou grupal;
  • Alimentar-se de forma saudável e nutritiva;
  • Mexer o corpo com atividades prazerosas;
  • Informar-se sobre grupos de apoio ao paciente com dor crônica (ou outras formas de sofrimento) em hospitais, instituições educacionais e religiosas e/ou na própria comunidade onde mora;
  • Buscar desenvolver habilidades antigas ou descobrir novas, envolvendo-se com arte, artesanato, jogos ou outros desafios criativos, sociais, educacionais ou simplesmente lúdicos;
  • Proporcionar a si mesmo mais rotinas de passeios e lazer;
  • Tornar-se útil para quem precisa, da forma que lhe aprouver, como cuidando de animais ou buscando colaborar, de alguma forma, com o meio em que vive;
  • Envolver-se, enfim, com pessoas e atividades que estimulem a criatividade e “nutram”, de maneira saudável, seu corpo físico e psíquico.

Essas são algumas das inúmeras opções para que não precisemos ficar tão sozinhos com nossas dores – mesmo que elas sejam só nossas e de mais ninguém. De qualquer maneira, precisamos querer nos ajudar e dar os passos necessários para que isso seja feito.

Cabe ao paciente e/ou aos seus familiares buscarem informações sobre serviços terapêuticos individuais, grupais e/ou de convivência que são oferecidos em suas cidades (e até mesmo on-line, atualmente) que eles gostariam de conhecer e, até mesmo, fazer parte.

Seguem, abaixo, algumas instituições gaúchas que oferecem apoio e terapêutica psicológica. Elas são algumas das muitas que prestam serviços psicológicos para as mais variadas demandas. O ideal seria fazer uma pesquisa detalhada sobre quais são os serviços existentes na cidade da pessoa interessada e procurar informar-se o máximo possível sobre esses serviços.

A exemplo da pesquisa que realizei na internet para deixar algumas sugestões aqui, creio que valha investigar as possibilidades de atendimento psicológico oferecido pelas universidades e faculdades federais, estaduais ou particulares, além das secretarias de saúde estaduais e municipais, que normalmente oferecem uma boa rede de atendimentos psicoterapêuticos.

Também vale a pena pesquisar sobre os profissionais da saúde que estão vinculados às diferentes escolas ou “linhas” psicoterapêuticas, como os institutos de psicanálise, de psicologia analítica, de gestalt-terapia, etc.

Um dos meios terapêuticos que tem trazido muitos benefícios para as/os pacientes é a arteterapia. A arteterapia utiliza as mais diversas linguagens  artísticas (teatro, dança, artes plásticas e visuais, tecelagem, etc.) para facilitar a expressão emocional do paciente.

Não é necessário ter familiaridade com nenhuma prática de arte para se beneficiar das técnicas arteterapêuticas. Apenas é preciso estar disposto a se abrir para se trabalhar, se conhecer melhor e respeitar suas possibilidades e limites.

Para entrar em contato com os profissionais e serviços de arteterapia, procurar em:

São inúmeros os profissionais, nos mais diferentes tipos de serviços, que seguem estudando e pesquisando maneiras de aliviar as diferentes dores que, inevitavelmente, assolam nossa vida.

Mesmo que seja impossível eliminá-las completamente, penso que também é inevitável – pelo menos para quem sente um mínimo de solidariedade com qualquer forma de vida ao seu redor – que não se busque fazer o que estiver ao alcance para suavizar o sofrimento alheio.

Gisela Cardoso
Psicóloga/Analista Didata pelo IJRS/AJB/IAAP
Email: gisedfp@gmail.com
Instagram: @giramundodancaterapia

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O Projeto Educa Dor é uma ferramenta de informação em saúde, que busca levar de maneira clara, informações sobre os mais diversos conceitos envolvendo a dor crônica, seus tratamentos, métodos e diagnósticos.

Responsável técnico: Dr. João Marcos Rizzo - CREMERS 18903
Médico Anestesiologista com área de atuação em Dor - RQE 42946

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