Luto e perspectivas
Nestes meses de pandemia, em nosso país, tivemos o equivalente a cerca de tres acidentes de avião por dia em número de vítimas de SARS-Cov-2. Por dia. Pessoas que eram mães, pais, filhos, irmãos, amigos, colegas, íntimos, distantes, amados ou nem tanto. E aqueles que ficam? Qual o estado emocional possível de sobrevivência frente a uma perda por morte nesse quadro, quando não há chance de despedida?
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Se observarmos as religiões prevalentes no Brasil, veremos que todas envolvem os vivos no processo de elaboração da morte de alguém. Em maior ou menor grau, as religiões têm rituais de despedida que auxiliam os sobreviventes a elaborar a perda e seguirem com suas vidas de uma forma adaptativa e produtiva. Mas como evolui um luto quando não há acesso às práticas religiosas?
É característica inerente do ser humano preencher um espaço vazio de conhecimento com fantasias explicativas. Quando não temos informação sobre determinado evento, é natural desenvolver teorias para apaziguar a ansiedade causada pelo desconhecido. Dependendo da ocasião e do indivíduo, essas teorias tendem a ser mais catastróficas do que a realidade. Assim, é muito melhor e mais saudável saber a verdade. Isso vale para qualquer situação. Mas, e quando não temos como preencher esse espaço? Quando não foi possível uma palavra, um gesto, um olhar de despedida antes da morte?
Temos uma parcela significativa do país em luto. Se calcularmos grosseiramente 10 enlutados para cada falecido, temos atualmente mais de 6 milhões de pessoas tentando refazer suas vidas após a morte de alguém por SARS-Cov-2, em meio a um isolamento social que impede o processo normal de elaboração de um luto: compartilhar os sentimentos com a família e os amigos. A rede social é fundamental para o suporte psíquico nessas situações.
Elisabeth Kübler-Ross descreveu as já bem conhecidas fases do luto normal: negação (quando a pessoa ‘faz de conta’ que a morte não aconteceu), raiva (quando ocorre a tendência a achar culpados pela morte), negociação (quando são feitas promessas, para que a morte não aconteça ou seja revertida), tristeza (quando os mecanismos anteriores falham e a percepção da ausência é sentida em toda a sua realidade), e a aceitação (quando se aprende a continuar vivendo, apesar da saudade). Todas essas fases são normais, desde que não sejam estanques e não persistam por mais de um ano. Também, podem acontecer de forma alternada, não necessariamente naquela ordem de evolução. Assim, momentos de raiva ou tristeza podem se alternar com negação ou negociação, e até a aceitação pode sofrer um retrocesso em alguns momentos.
As pessoas mais propensas a terem um luto complicado, ou seja, um luto que ultrapassa o tempo normal de resolução, são justamente aquelas que enfrentam uma perda súbita de um familiar próximo. Algumas pesquisas apontam cerca de 40% de incidência de complicações do luto nesses casos. Um luto complicado traz consigo consequências de piora para a saúde, com aumento do abuso de drogas e álcool, depressão, quadros de ansiedade e distúrbios do sono.
Conversas – mesmo que por telefone – contando e recontando os fatos quantas vezes forem necessárias, observar as datas e propor homenagens – mesmo que simples e/ou individuais – são atitudes que podem auxiliar no processo de elaboração. Respeitar seus próprios sentimentos e seu tempo, sem temor de ficar triste, chorar, ou mesmo sentir raiva. Sem medo ou vergonha de buscar ajuda especializada se precisar. Com certeza, quem morreu, torce pela felicidade dos que ficam.
Texto por: Lorena Caleffi – CREMERS 17211
Créditos da Imagem: Envato