Quando todo o corpo dói – o sofrimento de quem tem dor generalizada
Comumente recebemos pacientes no consultório com o seguinte diálogo inicial:
– Onde o Sr(a) sente dor?
– Doutor, é melhor me perguntar onde não dói…
A dor generalizada (DG) acomete pelo menos 10% da população e ocorre com mais freqüência em mulheres, principalmente após a menopausa. Esses pacientes costumam apresentar de forma associada fadiga, sono não restaurador e sofrimento emocional. Embora a grande maioria desses pacientes seja diagnosticada como fibromialgia (FM), há que se descartar outras doenças antes de chegar a esse diagnóstico. Essas doenças incluem alterações musculoesqueléticas, neurológicas, endócrinas/metabólicas, por deficiência de vitaminas, psiquiátricas/psicológicas e relacionadas a medicamentos. Doenças reumatológicas ou não, como artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, síndrome de Sjogren e polimialgia reumática, podem cursar com os mesmos sintomas que a fibromialgia, possuindo tratamento diverso. Déficit de vitamina B, C ou D, hipotireoidismo e Diabete também podem causar DG.
A dificuldade para diferenciar entre FM e outras causas de dor generalizada inclui o fato de não existir um padrão clínico completamente definido e a ausência de um exame (biomarcador) para confirmar FM de forma inequívoca. Para termos uma idéia da confusão, os critérios de 2010 exigiam a exclusão de doenças que pudessem explicar suficientemente a dor para definir o diagnóstico de FM. Em 2016, novos critérios afirmam que o diagnóstico de FM é válido independentemente de qualquer outra condição médica e advertem ainda que simplesmente satisfazer os critérios de FM não é, ipso facto, suficiente para diagnosticar FM. Uma das pistas que sugere FM é a variabilidade em localização e intensidade das dores, embora esses fatores possam estar presentes em outras DG.
Mais importante que o preciosismo de um rótulo diagnóstico ou a discussão se a FM pode conviver com outras doenças crônicas que provocam dor generalizada ou não, é a identificação pelo clínico de dor de quais mecanismos predominam em determinado paciente e o fato de que os pacientes com DG, seja com FM ou não, correm o risco de obter uma melhora consistente apenas se forem tratados por uma equipe transdisciplinar que inclua profissionais para reabilitação física e emocional.
Referências
- Mansfield KE, Sim J, Jordan JL, Jordan KP. A systematic review and meta-analysis of the prevalence of chronic widespread pain in the general population. PAIN 2015;157:55–64.
- Mansfield KE, Sim J, Croft P, Jordan KP. Identifying patients with chronic widespread pain in primary care PAIN. 2017 Jan; 158(1): 110–119.
- Hausera W, Perrotc S, Sommerd C, Shire Y, Fitzcharles MA. Diagnostic confounders of chronic widespread pain: not always fibromyalgia. Pain Rep. 2017 May; 2(3): e598.
- Fitzcharles MA, Boulos P. Inaccuracy in the diagnosis of fibromyalgia syndrome: analysis of referrals. Rheumatology (Oxford). 2003;42:263–7.
- Fitzcharles MA, Esdaile JM. The overdiagnosis of fibromyalgia syndrome. Am J Med. 1997;103:44–50.
Texto por: Dr. Luís Josino Brasil – CREMERS 19661