Dor crônica e distonia: Um desafio para a equipe de saúde
A dor crônica, definida como dor persistente ou recorrente com duração superior a 3 meses, afeta até 30% da população em geral e é especialmente prevalente em pessoas com distonia (até 90%, dependendo do tipo de distonia). A distonia, como o nome indica, é uma disfunção do tônus muscular e do movimento que pode se manifestar de diferentes formas, sendo frequentemente relacionada à dor crônica.
A distonia é um distúrbio de circuitos do Sistema Nervoso Central (SNC) que envolve os núcleos da base, tálamo, córtex cerebral e cerebelo. Os núcleos da base são responsáveis pela integração de processos motores, emocionais, autônomos e cognitivos, provavelmente incluindo humor e dor. Essa afecção neurológica pode acometer diferentes faixas etárias e possui diferentes causas, podendo ser adquiridas, hereditárias, idiopáticas e até mesmo induzidas por medicações. Bastante frequente em pacientes com outras doenças neurológicas, como a Doença de Parkinson, elas podem ser confundidas com contraturas ou outras manifestações neuromusculares. Embora as distonias mais conhecidas sejam os tiques, há diversos tipos, como a síndrome de Meige (que envolve movimentos involuntários faciais e mandibulares), distonia específica de tarefa, distonia focal de mão, pé, cervical, craniana, laríngea e membro superior, além da distonia generalizada. As distonias costumam provocar consequências sociais, visto que a presença de movimentos involuntários ou posturas aberrantes podem causar constrangimentos e consequente isolamento social.
A distonia é um distúrbio de movimento heterogêneo, sendo classicamente definida por suas manifestações motoras, mas apresenta também sintomas não-motores. Os sintomas não motores são comuns e podem impactar a qualidade de vida do paciente. Eles incluem dor, alterações sensoriais, transtornos de humor (depressão, ansiedade e transtorno obsessivo-compulsivo), queixas cognitivas, distúrbios do sono, sintomas autonômicos e fadiga. A dor pode ser agravada ou causada pela distonia, podendo aparecer em todas as formas de distonia e impactar a qualidade de vida mais significativamente do que a gravidade motora da distonia, comprometendo a rotina diária e contribuindo para a incapacidade desses pacientes. A distonia cervical é frequentemente dolorosa, sendo caracterizada por postura e movimentos anormais da cabeça, pescoço e ombros. A dor pode aparecer principalmente no pescoço e ombros, frequentemente se espalhando para a região superior das costas, às vezes irradiando cranialmente no lado do desvio da cabeça e caudalmente para o membro superior do mesmo lado. A distonia pode também estar relacionada à cefaléia. Além disso, pessoas com espasmos perioculares podem apresentar alterações de sensibilidade ocular e sensibilidade à luz. Mais de um terço dos pacientes com distonia de membros superiores ou inferiores relatam dor clinicamente significativa.
O tratamento da distonia pode melhorar a dor, envolvendo alternativas como medicação oral, injeções de toxina botulínica, fisioterapia e até cirurgias com implantes de neuromoduladores em casos mais graves. Determinar a causalidade da dor em relação à distonia é um desafio, sendo o uso de informações temporais e de agravamento importante para determinar se a síndrome de dor é secundária ao distúrbio neurológico. A relação da dor com a distonia frequentemente está ligada ao recrutamento excessivo do sistema motor e da ativação de receptores dolorosos musculares, articulares e da fáscia (membranas de tecido conjuntivo que cobrem músculos e outras estruturas), embora isso não esteja completamente claro. Apesar dos mecanismos comuns por trás da dor e sintomas motores na distonia, não há relação linear entre sintomas motores e a dor em relação à resposta ao tratamento.
É importante abordagem terapêutica por equipe interdisciplinar de saúde, composta por neurologista, médico de dor, fisioterapeuta, psicólogo/psiquiatra e fonoaudiólogo, entre outros. Os profissionais de saúde devem buscar identificar e diferenciar pacientes que apresentam agravamento da dor pela distonia daqueles casos em que nenhuma mudança na dor ocorre conforme a progressão da doença. A falta de métodos de avaliação específicos da distonia prejudica o diagnóstico e a relação da distonia com a dor. Recentemente foi desenvolvido um estudo multicêntrico para desenvolver e testar uma estrutura de classificação relevante para o paciente com distonia e dor crônica, cujo sistema de pontuação avalia a intensidade, frequência e impacto funcional da dor. Este tipo de instrumento deve auxiliar o manejo clínico da dor nesta população de pacientes.
Embora a dor crônica relacionada à distonia seja bastante frequente na prática clínica, muitos pacientes com dor e sintomas distônicos não são diagnosticados e, portanto, podem não receber o tratamento adequado. Essas afecções ainda são um desafio para os profissionais de saúde, mas há várias alternativas terapêuticas disponíveis para a melhora da qualidade de vida e a rotina diária dos acometidos. A integração de conhecimentos e ações terapêuticas de médicos especializados em dor, neurologistas e fisioterapeutas pode potencializar os resultados terapêuticos positivos para a gama de pacientes que sofrem com esses problemas. Há muitas alternativas terapêuticas que podem auxiliar pacientes com distonia e dor crônica, sendo a educação para a dor, a medicação adequada e a fisioterapia as melhores opções, sobretudo em fases iniciais do tratamento. A evolução científica na área promete auxiliar cada vez mais os profissionais no manejo clínico adequado dos pacientes acometidos por dor crônica relacionada a distonias, que podem manter uma rotina mais tranquila e confortável, sobretudo quando bem esclarecidos acerca do seu caso.
Fontes bibliográficas:
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- MORGANTE F, et al. Pain processing in functional and idiopathic dystonia: an exploratory study. Movement Disorders, 2018, 33(8):1340-1348.
Texto por: Flávia Martinez